Como vender sardinhas a 7€?

Orador do Retail Innovations 2018 contou o segredo para valorizar um produto

12 · 11 · 2018

 

Enquanto para muitos portugueses pagar 7€ numa lata de sardinha parece inconcebível, mais de 300 mil latinhas são vendidas anualmente, a esse preço, para estrangeiros (na maioria dos casos) que visitam apenas uma das lojas do “Mundo Fantástico da Sardinha Portuguesa”, em Lisboa. O segredo para atingir essa marca? Uma história bem contada. E foi essa história que Tiago Quaresma, diretor de marketing do Grupo Museu do Pão, contou no Retail Innovations 2018. O evento, promovido pelo IMR – Instituto de Marketing Research, aconteceu no dia 30 de outubro, no hotel Dom Pedro Lisboa.

Tiago quebrou o ritmo de palestras e propôs uma conversa mais informal aos participantes da conferência. Com experiência no setor de retalho, o orador partilhou pontos importantes dos projetos que trabalha, com destaque ao número de experiências por m2 proporcionadas ao consumidor numa só loja.

Formado em Direito pela Faculdade de Direito de Lisboa, com L.L.M (Mestrado) em International Business Law pela Paris-Assas e pelo INSEAD, Tiago é ligado ao lançamento de projetos como o "Mundo Fantástico da Sardinha Portuguesa" e outros conceitos da Fábrica Comur, a Casa Portuguesa do Pastel de Bacalhau e à Confeitaria Peixinho.

 

A criação de um mundo fantástico

Oferecer uma experiência positiva ao consumidor é obrigatório no atual cenário do retalho, principalmente quando se fala de lojas físicas. Mais do que ter produtos, um estabelecimento comercial precisa surpreender, impactar o consumidor. No entanto, para proporcionar uma boa impressão é necessário criatividade, planeamento, disciplina e, como disse Tiago Quaresma, “é preciso muita coragem”.

E foi com muita coragem que, em 2016, o Grupo Valor do Tempo comprou a Comur – fábrica de conservas inaugurada em 1942 na Murtosa – e resolveu investir num dos produtos mais tradicionais de Portugal: a sardinha. Logo no primeiro ano o Grupo investiu fortemente nas suas novas ideias. Um prédio inteiro no Rossio foi comprado, um conceito foi criado e milhões de latas produzidas.

Tanto investimento é resultado da crença em dois fatores: a alma da fábrica e a legitimidade existente nela. “É um setor com uma importância sociológica tremenda. O trabalho é feito à mão: os homens vão para a pesca e as mulheres ficam em terra a enlatar as conservas. Portanto, há muita verdade nesses produtos e por isso não podem ser vendidos a 70 cêntimos. Chegou o momento de começarmos a dar valor ao que é nosso”, esclareceu o orador.

O valor da sardinha portuguesa é levado tão a sério pelos empresários, que um “circo” foi criado só para vender as latinhas. A loja no centro de Lisboa tem roda gigante, carrossel, relógio a girar no tecto, uma banda sonora criada especialmente para o local, equipa caracterizada a rigor e altamente incentivada para as vendas. Um cenário inteiro, com diversas experiências para vender apenas latas de sardinha.

 

Um século de história vendido a 7€

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 Tiago Quaresma explicou como valorizar o produto por meio da experiência em loja. Foto: Marta Pereira/IMR.

Para criar um conceito, a empresa recuou 100 anos para assim promover uma reflexão sobre o século das conservas. Assim, os produtos no “Mundo Fantástico da Sardinha Portuguesa” são sempre os mesmos: 140 gramas de sardinha portuguesa em azeite, vendidas em latas com datas de 1916 até 2018, com um acontecimento importante do ano em causa e algumas personalidades que nasceram naquela data. Cada década tem uma cor base, e cada lata possui uma ligeira variação cromática com a anterior.

Uma ideia interessante, mas que, sublinhou Tiago, não valeria nada se não tivesse lá dentro a sardinha portuguesa e se não fosse de uma fábrica da Murtosa. “Aquilo que todas as grandes lojas têm é muita história por detrás delas e nós estamos num país carregadinho de história, carregadinho de ícones que, infelizmente, não temos sabido puxar por eles e temos achado que somos coitadinhos, que temos que vender barato. Se há um produto que nos distingue a nós, portugueses, é a sardinha. Somos os melhores do mundo. Por isso insisto que não podemos vendê-la por alguns cêntimos”, salientou.

 

Mais de 2 milhões de latas por ano

Traduzindo toda essa experiência em números, são vendidas 300 mil latas de sardinha por ano, a 7€ cada, apenas na loja do Rossio. Há mais 11 lojas de sardinha pelo país, nas quais são vendidas cerca de 2 milhões de latas de sardinha e outras conservas por ano.

O Mundo Fantástico da Sardinha tem sido um sucesso que atrai naturalmente muitos estrangeiros, mas que ainda causa certa estranheza entre os portugueses. “Já ouvimos muitas vezes pessoas falarem que é uma vergonha vender sardinhas a 7€. Vergonha? Vergonha foi elas estarem a 70 cêntimos durante décadas e nós, portugueses, falarmos do nosso produto como uma coisa barata. É isso que nós temos que mudar”, instigou Tiago.

O diretor de marketing garantiu que a experiência em loja foi a maneira de dar o devido valor às conservas e os consumidores têm percebido isso. Tiago tomou como exemplo as pessoas que saem da nossa loja e dizem que nunca imaginaram gastar 5€ em sardinha, mas acabaram de gastar 50€.

“A exceção daquilo que é básico, que todos nós realmente precisamos, tudo o que compramos, mesmo muito mais do que consegues imaginar, já conta de certa forma como um pequeno prazer. A partir daí já entra o irracional e um dos maiores motores do irracional é a experiência. É de aplaudir quem conseguiu imprimir aquele valor acrescentado naquele produto de forma que todos nós, conscientemente saibamos que estamos o que estamos a pagar. O Mundo Fantástico da Sardinha Portuguesa, se não conseguir ser mais nada, que pelo menos tenha sido um grito de alerta para o potencial que cá temos”, finalizou Tiago.

  

 

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